Saturday, October 28, 2006


HETEROMNIBUS ARTISTS – para a criação de um des-status comicus-cognitivus


Os «artistas» heteromnibus (os que se dão bem com uma autoria fluída (famosa ou não), com o falso anonimato, com a entre-autoria, etc.) desejam, não dar cabo do satus quo («acabar» com o status quo é reforçá-lo maléficamente), mas criar um «des-status comicus-cognitivus».

É certo que os circuitos do art world são atalhos canalhas, mas haverá verdadeira vantagem, sem invejas, em substituir abruptos circuitos de legitimação e fama por qualquer coisa mais razoável, púdica e sentenciosa? Há uma ressentida vontade em fazer justiça e questionar as acostumadas autorias. Sentido que não subscrevemos de um modo militante, mas que recomendamos, sem ressentimentos, de um modo diletante. A solução é, pois claro, a pseudonomia, a heteronomia e outras modos de desenrascar o sujeito de uma subjectividade demasiado taxativa e obsoleta. São sobretudo os artistas mais famosos que se querem ver livres das chatices a que acostumaram as suas claques e os seus denegridores. O aborrecido périplo da fama condena-os a uma rotina de aeroportos e tediosos jantares nas caves melancólicas dos museus. Deixaram há muito de arriscar e têm saudades dos primeiros passos de carreira onde tudo era permitido e a juventude era louca. A opção por um «estilo» é, à luz do bom velho Aristóteles, uma redução de potência (da dynamis), por maior que seja o acréscimo de qualidade.

A anonimidade de um artista, ou de um enorme número de artistas, apenas retira o espectro da carreira e a densidade psicológica às obras. Desinfesta o mercado da especulação? Não, o mercado também comercializa bem anonimisses de merda. A interface que se establece entre a aparência das obras (formal?) e o rizoma teórico-literário-biográfico são aborrecidamente suspendidos. Ganhamos algo com isso? Em muitos casos é possivel, porque desconstrói a burocracia das legitimações e os circulos viciosos a que as obras e carreiras dos artistas parecem absurdamente condenadas. Mas em boa parte perde-se o sumo que faz fervilhar a vida na arte e nas suas obras – a maliciosa luta de poder e de marcação de território com as anedotas (de sanita) em anexo (falta-nos um Vasari ainda mais cínico, no sentido kunico, para escrever uma boa história das artes modernas ou muito mais do que isso!).

Mas um crítico sério sabe que os artistas não estão sós, e que as diversas networks no art world é que contextualizam determinados vícios – essas networks são bem mais anonimas do que as marcas que comercializam. A supressão da autoria tornaria os ready-mades irrelevantes, ou menos histéricos? A questão não está na fama, na autoria, ou no seu cabotino disfarce, mas em perceber se fazemos arte para alimentar cínicamente (no sentido não kunico) um sistema que cada vez é mais uma contestação de determinas regras fantasmagóricas e menos uma experiência, subjectiva ou não, de libertação de restrições pessoais, comunitárias e por aí além.

Interessa-nos menos a autonomia do espectador, enquanto passivo crítico, do que a sua participação activa num devir comico-cognitivo.

No futuro deveria ser irrelevante se somos ou não mais famosos, desde que sejamos melhores nas nossas competências, na complexidade e na qualidade. A linguagem, por si só, não nos salva. A implosão da linguagem não nos redime dos falsos pecados e do fedor de fundo, por mais que nos enamoremos da sua dissolução, como dizia Borges, entusiasmados (hipotéticamente & ruidosamente) com o seu desaparecimento. O silêncio e a autodestruição satisfazem as mentes apocalipticas. A nós nada.




Desde há muito tempo que as supostas metalinguagens da arte, sejam artísticas, sejam parte do medium, se autocanibalizam na impotência de uma autodestruição efectiva, deleitando-se em encenações supostamente «radicais». O sentimento apocaliptico é apenas o condimento que serve para atulhar museus de mercadorias cada vez mais abjectas. Simultaneamente é produzida uma literatura tremendamente aborrecida, e maioritáriamente sem sequer ponta sequer de originalidade.

Imaginar que há uma percepção estética que se aprimora para lá da prótese dos nomes a que estão vinculadas as obras é ser naif. Nenhum caos poderá ser gerado a partir de semelhantes brincadeiras de «desenquadramento» - as vigilantes brigadas revolucionárias das velhas tradições vanguardistas que sobrevivem à custa da florescente industria museológica, rápidamente recuperam, seja de que maneira for, qualquer ímpeto que questione realmente o que se faz passar por arte.

Em arte, ao contrário da lógica, é raro os contrários excluírem-se, mas também pode acontecer. O rápido consumo dos mestres mais publicitados por parte das instituições mais agressivas (ou não) abre o apetite por «mestres desconhecidos» que possam dar fama a curadores astutos e rescrever a história através de linhas cada vez mais tortas e descozidas – o que é bom para o entediado público que somos todos nós! O apetite surrealista pelos aspectos obscuros de um artista ou por «falhados» e outros marginais tem vindo a tornar o coleccionismo (privado ou público)algo parecido com wunderkammer em que já é difícil maravilharmo-nos com algo.

Ao contrário do que profetizara Benjamim, os meios de reprodução técnica e digital apenas contribuiram para reforçar a aura de imagens, sobretudo as mais suspeitas de algo enigmático (como a Mona Lisa ou as obras de Duchamp). É certo que a fama se democratizou ao ponto de dar ao banal uma difusão e um poder com o qual não queremos pactuar. Mas a posteridade, esperança filtradora de artistas como Duchamp, embora continue a lançar para o esquecimento coisas às toneladas, também está continuamente a proceder às mais extravagantes repescagens. Amanhã seremos todos esquecidos... mas também seremos episódicamente rememorados.

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